segunda-feira, 9 de julho de 2012

Mudança.




Num destes dias de sol preguiçoso, ela se levantou e começou a arrumar as malas.
Aos amigos anunciaria que estava de mudança. O resto não importava.
Pegou as malas maiores para colocar nada mais que o necessário.
Olhou-se no espelho, mas ainda não via.
Precisava se preparar para que tudo ficasse devidamente organizado.
Começou.

Começou por aqueles trapos esquecidos no fundo da memória.
Mente atolada de ideias futeis e inuteis que bagunçavam o ambiente.
Tirou quilos e litros delas. Fechou a primeira mala.
Não foi das tarefas a mais fácil.
Por um segundo bambeou e caiu de lado. Era um bom sinal, estava mudando.

Abriu a segunda mala.
Tinha medo do que encontraria, mas seguiu adiante.
Resolveu fuçar num cantinho esquecido, e numa caixinha colorida descobriu sorrisos.
Bons momentos, sensações e fins de tarde ensolarados.
Mas ela estava no lugar errado, sabia. Separou.
Deparou-se com o entulho de construções falidas.
Antigos sonhos frustrados ou simplesmente esquecidos que foram se acumulando, se acumulando... não sabia que ainda estavam ali.
Pegou a pá e fez a limpeza. Foi o que coube na segunda mala.
"Tenho malas maiores do que imaginava" pensou. Talvez ela não soubesse que se extendiam de acordo com o que ela permitia se livrar.
No momento foi a conta. Fechou a segunda mala.
Já estava suada com todo o esforço, mas parecia valer a pena.
O lugar agora parecia mais arejado, mais claro. Pensou em pintar as paredes qualquer dia.

Abriu a terceira mala.
Depois de tantas buscas, já não sabia o que guardar desta vez.
A mala parecia pequena diante de tantas coisas... pensou em deixar pra lá.
Não fosse a esperança de que tudo se tornaria limpo denovo, não conseguiria ir em frente.
Mas foi, graças a Deus.
Vasculhou o espaço, desanimada.
Encontrou um cofre lacrado. Era grande, imponente e cinza escuro.
Mas ela sabia a senha.
Não que a usasse com frequencia, talvez nem lembrasse... mas o cofre tomava uma boa parte do espaço. Não era fácil esquecê-lo ou evitá-lo.
Teve medo, mas abriu.
E na escuridão que se revelou só encontrou um pote de lágrimas e uma adaga.
Fazia algum tempo... mas ainda doia. E ainda assim, era quase impossível livrar-se deles.
Fechou os olhos e segurou todo o peso que conseguiu suportar.
(Mas como foi possível?)
Sentiu todas as dores outra vez. Outra vez.
Saíram todos os fantamas do cofre e outra lagrima escorreu.
Mas passou... milagrosamente, o imenso cofre coube no pequeno espaço da maleta.
Relutou. Mas desta vez, a mala fechou-se sozinha.

Então parou para respirar.
Todo o esforço lhe esgotou por completo. Iria parar por ali.
E quem mais conseguiria carregar as malditas malas?
Era melhor...

Mas ao virar-se para o desmazelo, o folego lhe voltou por magia.
No antigo espaço maltrapilho só restava uma pequena caixinha colorida.

As antigas malas foram devolvidas. Ou dissolvidas, não se sabe.
A mudança tinha sido feita, e com sucesso - quem diria!
E então ela sabia que não havia feito tudo (ou na verdade nada) sozinha.
Sobre a caixinha apenas um recado:

"Vista-se com o melhor que tem.
Eis que tudo se fez novo. Inclusive você."

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