terça-feira, 19 de março de 2013

"Seu filho, hoje homem, ontem menino" por Felipe Valente


"No sábado estive na casa de um casal de amigos (Ricardo e Vívian) e lá encontrei seus filhos. Normalmente, diante de uma criança, vem a vontade de fazer alguma festinha, reproduzir vozes estranhas, brincar de jogar pro alto, fazer cócegas, etc...e geralmente elas acabam gostando de alguma dessas bobagens, senão todas...rs. O que sempre passa desapercebido é o "efeito rebote", pois no final das contas quem precisa do estímulo sou eu. No fundo, percebo minhas reações e melancolicamente sinto uma vontade imensa de não ser quem sou. 

Seu eu não fosse gente grande, atrairia pessoas com um simples sorriso. Seria capaz de ver graça nas coisas triviais, de me conter com pipa, linha e vento. Correria desengonçadamente e de olhos fechados, sem medo de cair. 

Veria meus pais batendo as palmas das mãos, me chamando pra pular e, sem medo da queda, eu pularia...o problema é que sou adulto, pondero tudo, analiso as circunstâncias, meço a capacidade dos meus pais e, infelizmente, os subestimo. A mania de adulto me faz crer que os pais não têm a mesma força de antes. Em virtude de me ver neles e eles em mim, chego a infeliz e equivocada conclusão que há uma relação direta de proporcionalidade entre ser adulto e ser fraco.

Se eu não fosse adulto, não seria consumido pela ansiedade de realizar, pela neurose do ter ou pelo cansaço do querer sem poder. Sentaria no chão sem "modos", me apresentaria sem rótulos e não daria confiança ao que não interessa. Beijaria as menininhas com pureza, seria namoradinho de muitas sem perder a inocência. Viveria em função de dois chinelos para marcar as traves, de uma rua sem muito movimento de carros para ser meu campo oficial e de uma bola de futebol, pois para meninos, ter uma bola pra chutar significa exatamente "ter o mundo aos seus pés".

Sujaria as melhores roupas brincando, comeria uma maçã que acabou de cair no chão e lambuzaria a cara inteira chupando manga...tudo isso livre de constrangimentos. Não teria medo de me expor ou de parecer ridículo. Não teria receio de chorar na frente de quem fosse e, na mesma proporção, de rir imediatamente após.

Dentro de mim convivem os dois, homem e menino. Às vezes, como que num rompante de inexplicável felicidade, acorda o menino. Quase sempre, como que numa constante de realidade, não dorme o homem.

Ah Paizinho...me ensina a ser criança novamente. Me livra dessa mania horrível de querer ser grande.

Seu filho, hoje homem, ontem menino"


OBS: Gosto de muitos "artistas" por aí, é bem verdade, mas poucos deles me inspiram como Felipe Valente. Não sei bem como se explica esse tipo de coisa, mas é como se houvesse um tom diferente em tudo o que ele faz. Como se as letras, as notas, o timbre, tudo transmitisse uma paz e alguma outra coisa diferente que o diferencia. Não foi nem uma ou duas vezes que ouvi uma música ou li um texto que gostei muito para depois descobrir que eram de autoria dele (é incrível como as minhas eleitas melhores de Leonardo Gonçalves são quase sempre assinadas por ele!). 
Me controlo muito nesse aspecto. Não o conheço e sei muito pouco na sua vida para ousar admirar uma figura que idealizo. Ainda assim, seja lá por qual motivo for, leio um texto como esse - tão simples e tão íntimo a qualquer um que o leia - e reafirmo esse sentimento. A admiração por esse talento de traduzir sensações e transmiti-las dessa forma que tão poucos são capazes.

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