terça-feira, 6 de março de 2012

Outra história.


           Ela não esperaria a última aula. Precisava falar com ele agora. Saiu da sua sala apressada, o coração batendo forte, como se precisasse colocar pra fora alguma coisa que a faria ter uma taquicardia a qualquer momento. Não tinha certeza de qual era a sala certa, mas sabia em qual corredor os dois sempre se despediam antes de ir cada um para sua aula. Saiu procurando de sala em sala, dando uma olhada rápida através das janelinhas estrategicamente posicionadas em cada porta.
           De repente aquela faculdade tinha se tornado insuportavelmente grande. Mas ele estaria na sala, disso tinha certeza. Apesar de relapso na maioria das coisas, seu amigo sempre fora cuidadoso com os estudos e, pelo que conhecia dos seus horários, estava na aula de Filosofia nesse momento.
            E lá estava, na sala 28, final do corredor. Não era preciso perder tempo conferindo se era mesmo ele. A posição (e disposição) o denunciava descaradamente. Elton estava na segunda fileira, com caderno na mão e olhar fixo no quadro, rodeado por livros, anotações – e garotas.  A última observação a fez revirar os olhos. Sempre fora assim. Deus sabe o que elas viam nele, mas fosse o que fosse, devia ser irresistível. Talvez só ela fosse imune, mesmo reconhecendo o quanto era ele adorável. Mas é claro que era, era o seu melhor amigo. O único que podia ajuda-la agora.
            Parou então para pensar em como faria para falar com ele. Não teria coragem de interromper a aula. Tereza tinha aulas com aquele professor e ela sabia muito bem o quanto era verdadeira a fama de carrasco. “Filosofia mediante pressão psicológica não me parece alguma coisa genial!” comentava com Elton. Mas ele sempre dizia que forçar daquele jeito era a única forma possível de extrair alguma coisa das mentes tapadas dos estudantes. Talvez por causa dessa “babação” toda o rapaz era justamente um dos alunos prediletos do professor. De qualquer forma não bateria naquela porta de forma alguma, por mais desesperada que estivesse. Seria simples poder ligar ou dar pelo menos um toque no celular. Mas a única coisa que aquele “monstro de terno” odiava mais que interrupções eram celulares e outras formas de tecnologia. Nem mesmo o aluno mais querido passaria despercebido.
            A essa altura já começava a roer as unhas. Queria gritar – QUE SE DANE O PROFESSOR! Mas tudo o que não precisava era de uma cara feia de repreensão. Seria capaz de saltar em cima do primeiro que aparecesse em sua frente, e bolsistas não podem nem pensar em ter alguma suspensão na caderneta. Droga de garoto nerd! Praticamente todos os alunos estavam olhando para o vácuo durante a aula, mas Elton parecia apaixonado por cada palavra que saia da boca do carrasco. Mas então, claro! As periguetes! Chamaria a atenção delas e, com algum esforço, as faria entender que precisava falar com ele. Olhou mais uma vez para ver se reconhecia alguma delas. Depois de certo tempo Tereza já reconhecia alguns colegas do amigo, mas nunca tinha visto aquelas meninas antes. Então reconheceu a roupa branca e o jaleco mal dobrado em cima de uma das cadeiras – eram as meninas do curso de enfermagem. O curioso é que aquela matéria nunca poderia estar na matriz curricular de alguma delas. Será possível que estavam aturando aquela aula insuportável só para tentar dar em cima dele?! Isso ficava cada vez mais assustador. Não conseguiria nada com elas. Até que Betão, o cara que era sempre tão gentil, a notou com aquela expressão curiosa. Fez o melhor que pode tentando explicar através de sinais o que queria. Ele entendeu rápido, chamou a atenção de Elton e logo ele se levantava elegantemente seguindo em direção ao professor. Era incrível como o docente aceitava maravilhosamente bem tudo o que ele pedia. Veio então até a porta, mas não sem antes dar um pequeno aceno galanteador direcionado às meninas de enfermagem. Apesar dos esforços para não deixar que Teresa visse, a expressão das garotas – absolutamente iludidas – o entregava.
            - Espero que tenha um ótimo motivo para interromper a aula – falou sem cerimonia – Você sabe que tenho que me concentrar nessa matéria!
            - Boa noite para você também, Elton, meu querido – Teresa falou com tom irônico – Eu sei o quanto nerd você pode ser, principalmente na aula do Mestre Mala.
            Então ela o arrastou para o lado e desfez o tom de brincadeira. Não conseguiria esquecer tão fácil o motivo da conversa – Preciso muito falar com você. Estou a beira da loucura.
            Elton poderia incluir alguma outra piadinha e fazer alguma coisa para mudar o rumo que a conversa poderia tomar. Mas ele tinha essa capacidade legal de saber dar atenção a assuntos que se mostravam importantes. Apesar disso ele não perderia outra chance de poder fazer graça, ainda era um palhaço nato.
            - Certo, era apenas um estudo de caso, posso fazer outra hora. Vamos até a cantina... te pago uma Coca-Cola.
            Desceram as escadas em silencio e se acomodaram em uma das mesas disponíveis. Ao sinal de Elton a tia da cantina chegou com dois refrigerantes e um enorme sorriso. Ela era um doce de pessoa, a menos que você estivesse com a conta pendurada a mais de um mês. O rapaz então fez um sinal para que a amiga começasse a falar.
            - Certo – falou Teresa com um suspiro – Eu estou ficando nervosa... ansiosa, na verdade. Ou talvez seja loucura, como eu disse. Eu não sei, não entendo. Só sei que não paro de pensar...  sério, esse é um problema grave. Eu gostaria mesmo de parar de pensar...
            - Pare de pensar – ele interrompeu – Comece a falar, mas com calma.
 Ela passou as mãos pela testa, colocando o cabelo para traz em seguida. Respirou fundo mais uma vez e tentou manter a calma. Precisava organizar os pensamentos, era por isso que estava ali.
            - É ele, sabe. É ele o problema que alguma parte de mim acha que é solução.
            Depois disso Elton se recostou na cadeira e tomou o primeiro gole do refrigerante. Ele conhecia aquela história a algum tempo, e Teresa sempre recorria a ele para receber conselhos desse tipo. Talvez porque fosse o rapaz mais próximo a ela capaz de explicar o que se passava pela cabeça dos caras que resolviam se aproximar dela.
            - Eu continuo achando que você complica demais as coisas. É claro que ele pode estar sendo sincero, sabe.
            - Eu sei, é uma possibilidade... mas ao mesmo tempo não é o que eu espero pra mim. Por mais legal que ele seja, por mais que tenhamos tanto em comum. Ele...
            - E você ainda espera o cara perfeito?! Acorda... o único cara perfeito sou eu, lembra?          
            - Ahá, super engraçado! O cara perfeito que me mostrou todos os defeitos do mundo! – ela riu pela primeira vez – Se lembra que foi você quem me mostrou que os rapazes podem nem sempre ser o que dizem ser?
            - Claro – Elton respondeu com aquele olhar de quem tem o mundo nas mãos – E te salvei de muitas enrascadas, você sabe. Mas as vezes somos sinceros, quando realmente vale a pena.
            - E como saber?!
            - Teresa, você realmente acha que os homens são todos iguais? Que eu sei exatamente tudo o que os outros pensam? Eu não sei, mas existem alguns sinais. Não somos tão criativos para diversificar, então eu posso te dar dicas. Mas não tenho como saber.
            - É, e olha que sou boa em reconhecer sinais... mas as vezes eu começo a sentir. Sentimentos, eles embaçam a minha visão. Começo a ver o que quero. Por isso preciso de você.
            - Não acho que você seja boa em reconhecer sinais. É no mínimo mediana – disse ele, olhando para qualquer outro lugar que não importava. Era uma frase sem lógica nenhuma. O que ele queria dizer?
            Antes de questionar qualquer coisa do tipo, ele prosseguiu.
            - Então, você finalmente está apaixonada.
            - Claro que não!
            - Ah, claro, nunca está!
            - Não estou! Eu sinto carinho, afeto... mas não é paixão!
            - Você já se apaixonou antes?
            - Não. E nem você – Teresa tratou de cortar qualquer intensão de sugestão do amigo sobre o assunto.
            - Você não tem como saber – e suspendeu a sobrancelha, irônico.
            - Ah, tenho sim. Você nunca se apaixonaria por qualquer uma daquelas suas namoradas. Elas sempre foram todas iguais, e se não se apaixonou pela primeira, não se apaixonou por nenhuma das outras. E é claro que as ficantes e os rolos não podem ser incluídos nessa conversa.
            - Ok, ok... estamos aqui falando de você, certo?! – ele respondeu dando ênfase nas últimas palavras.
            - Certo. É que esse final de semana...
            De repente as meninas de enfermagem, as mesmas que resolveram se dedicar à filosofia, passaram por eles, sem fazer muita questão de mostrar pressa. A aula ainda não havia terminado, mas elas deviam ter perdido a razão de estar na sala.
            Elton se remexeu na cadeira e fez aquele olhar que Teresa odiava. Ela conhecia muito bem o que significava. Não, ele nunca ousou direcionar aquele olhar para ela, mas sabia que não significava nada que valesse a pena. O pior é que era justamente o que elas esperavam. Começaram a rir – que coisa mais irritante – e a acenar para ele, se insinuando. Algumas começaram a fazer cara feira para ela. “Garotas idiotas!” pensou Teresa.
            Quando elas se afastaram, Elton começou a rir baixinho e voltou a olhar para a amiga. Ela a essa altura já estava de braços cruzados e com aquela careta mortal. Ele até pensou, mas não iria perguntar qual era o problema.
            - Então, continue... quero ajudar!
            - Quer saber?! – Teresa tomou o último gole da Coca-Cola – Não precisa. Se eu quero saber se estou lidando com um cafajeste ou não, não posso procurar conselhos com um.
            - Ah, qual é! – ele pareceu espantado – Não precisa ficar nervosa. São só algumas meninas!
            - Claro, claro que são. Todas são.
            - Mas...
            - Deixa pra lá. Eu tenho aula de Direito agora – então saiu apressada.
            Desde quando ela começou a dar “piti”? Provavelmente era a milésima vez que via garotas se jogarem em cima dele, e ela sempre adorou rir da burrice delas. Provavelmente estava começando a se compadecer das coitadas. Coitadas... elas sabiam bem que não passavam de um passatempo. De coitadas não tinham nada. O que...

OBS: Eu vivo escrevendo essas coisas. Achei essa história perdida no notb (Wesley) e acho que gostei. Se gostei, vem parar aqui. Tem outras dessas por lá, mas tenho pensado em continuar esse texto. No fim talvez eu desista, não sei. Nem interessa mesmo (u.u)

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