quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Entre as reticências.

                     O mais provável é que aquele fosse o cenário perfeito. Olhar atento para a tela do computador, caneca cheia de café quente por perto, um clima deprimente do outro lado da janela, um documento em branco e um coração em chamas. Seus dedos formigavam. Os ouvidos zuniam. Nas veias pulsava a vontade     mais que isso, a necessidade     de enfim encontrar os tão viáveis meios de colocar pra fora aquela agonia. Assim como das outras vezes, pensaria em qualquer bobagem que fosse, qualquer ideia, qualquer sensação, e escreveria algum absurdo encaixando a verdade entre as entrelinhas. Devia ser mesmo um talento... ou era muito boa em deixar as coisas subentedidas ou tinha sérios problemas com expressão. Que fosse. Sempre fez bem e sempre recebeu elogios quanto a isso. Sim, era a melhor saída.
                     Mas depois de alguns minutos, por trás do barulho da televisão só havia o vazio. Alguma espécie de paralisia que congelava seus pensamentos e, mesmo que algum surgisse, não haviam os comandos para que fossem registrados. De repente não conseguia mais falar ou escrever. Parecia que a vista lhe estava sendo tomada aos poucos. E ainda assim a vontade de ser entendida, a ansia por uma conclusão... e ainda assim, um pouco mais de nada. Não ficou parada. Tratou de recapitular as intensões. Ouviu as melhores músicas. Releu os textos mais famosos. Entoou poesias, desafinou alguns cantos, rabiscou algumas palavras e então, nada. Mas não era um vazio comum. O que fazer com toda aquela angústia muda, retraída, que mesmo imóvel procurava meios de se libertar?! Ou melhor não fazer?
                     E com os olhos ainda imóveis, procurou no mesmo vazio para encontrar a resposta. Apurou os sentidos e sentiu mais de perto o que o peito alertava. Sentia... dor, primeiramente... e então a vontade... sentiu a impaciencia e a solidão. A voz inaudível que emitia tinha necessidade do outro, seja ele quem fosse. O outro que a visse e a entendesse, mesmo sem som e sem palavra. Um interpretador de sonhos e de canções não compostas. E com a resposta veio a paz. Voltou a sentir os próprios reflexos e suspirou.
                     Ao encarar novamente a tela, entendeu o pisca-pisca do cursor como um novo desafio. A menina voltou a escrever. E já não havia entrelinhas ou segredinhos escondidos pelos cantos. Seguindo a nova direção, lhe escreveu as palavras que sua própria voz lhe dizia. No fim das contas uma pequena estória se formou onde somente o único personagem existente a poderia enxergar com clareza. Você.

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